terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Antigas impressões que dormiam num baú...



Viajo num barco à vela


O mar uivou de amor

Agora ruge de raiva

A Lua que outrora embora distante seduzia-o

Com incontaveis beijos que lhe acendiam o corpo

Agora é disco afiado que lhe acende o corpo

Dos cortes que lhe faz

O brilho reverteu-se em sombra

E o mar em sangue

Ainda se fez em insistentes ondas de razões

Fez-se exercito de garras para rasgar o tempo

Aplicou-se em milhares de linguas

Que se atiraram ao céu vazio

Nostálgicas pela pérola gigante

Mas só pedra fria. Só pedra fria cortante

Viajo num barco à vela

Agora o mar está cansado, chegou ao fim

É só espuma

Já não há lua

Só uma pedra fria, escura e dura

Cheguei ao fim

Adeus Mar

Adeus Lua

Adeus pérola gigante.
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Ao invés de perdidos no vazio da dúvida

Protegem-se em casas prisões de cimento sem janelas que decoram com quadros nas paredes cinzentas, áridas e opacas do seu dia a dia.

Quadros com Jesus, Mao, Estaline, Froid, quadros com religião, quadros com psicologia, quadros com o Big Brother. E confundem-nos com janelas.

Afinal a segurança é das nossas necessidades mais básicas!

E quem não tem a protecção das paredes cinzentas são os loucos, os lunáticos, estranhos, atrofiados, idiotas, complexos, abstractos, aéreos, desequilibrados, os vagabundos que vivem desabrigados da tempestade.

E como a tempestade assusta. Forças que lutam absolutamente em todas as direcções.

Como eu queria mergulhar nu na tempestade. Mas basta que ponha uma molécula de mim fora de casa para que sinta um grande pincel a desintegrar-me num pigmento original.

Ah! Mas passeio! E se ainda não é nu é vestido ao sabor do vento, protegido por uma pelicula de credubilidade transparente.

Hoje visto-me de credubilidade transparente azul, amanhã violeta…canso-me das possibilidades cromáticas e atrai-me o negro para lá da pelicula. A risco rasgo um pouco da credubilidade junto ao pé e ontem, hoje, amanhã, sem tempo dissipo-me.

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O valor da página em branco pode ser tão alto quanto o da grande tela dos anjos vista do cume duma montanha.

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As cidades são como as estrelas,

Quando as vemos de noite ao longe brilham

Lá dentro queimam-nos

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A metáfora é um atalho transverso a uma estrada comum

Mas que ninguém viu antes porque nasce com a nossa entrada

O fim da estrada pode coincidir com o que o atalho dá,

Porém vindos do atalho olhamos para o lugar comum com

Olhos incomuns…cheios da reminiscência intensa daquele

Grão de brilho que nasceu e morreu.

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Passeio no mar

Passeio no céu

Nuvens almofadas de sonho soltam~se a meus pés

Mergulho no azul, no branco, no brilho onirico

Mas o que é isto? Que ser vivo é este em que passeio?

A língua branca que quase me alcança

As papilas que se dilatam no beijo que saboreio

A baba, a saliva que ferve

O subito toque fresco a que me submeto e

Os poros que se acendem

A sua voz penetra-me pelo canal auricular e faz ondas

Ondas me invadem, me envolvem e lavam a alma.

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Queria eu num tempo ser um ponto

Noutro uma estrela

Um grão de areia

Uma gota de água

Uma palavra

E talvez no tempo de vida de um homem pudesse ser tudo

Num não tempo ser todo o tempo

Num não espaço ser todo o espaço

Queria eu não ser

Num tempo um ponto, ser tão leve

Ser o ponto originário sem a forma resultante do ponto

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O actor no espectáculo não é o actor

É o grito dum pássaro que atravessa a vida que alguém ouve

É poesia que alguém sente

Um grão de brilho que alguém vê

O choro que alguém cheira

O cheiro que alguém chora

É um pouco de sangue do grande organismo que é o teatro

E o espectáculo é o bater do coração que alguém ausculta

É um bébé que após doloroso trabalho de parto nos bastidores

Escuros irrompe das pernas e nasce no palco à luz das estrelas

Que são olhos de Deuses vendo-o celebrar a vida.

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O universo está aí!

E nele tudo, tudo é importantíssimo

Assim sendo neste universo sem hierarquias

A minha total atenção, o meu amor, a minha deferência

SIMPLESMENTE ACONTECE por umas bolinhas que hesitam soltar-se duma pedrinha sob umas ondinhas que avançam ao sol

SIMPLESMENTE ACONTECE aos quatro anos tornar marco de mim para o futuro uma noticia na televisão a não esquecer que as manteigas estavam estragadas.

SIMPLESMENTE ACONTECE este bocadinho, esta parcelinha, este tempinho de mim ser importantíssimo e ser mais simples não pensar nisso.

SIMPLESMENTE ACONTECE a ria avançar e desenhar-me estradas nos olhos.

SIMPLESMENTE ACONTECE a voz do mar modelar-me a alma.

SIMPLESMENTE ACONTECE ver no céu uma grande tela onde anjos escrevem.

SIMPLESMENTE ACONTECE ver aves voando acenarem-me.

SIMPLESMENTE ACONTECE com a areia macia mármore polido no meu sentimento.

SIMPLESMENTE ACONTECE sentir tesão com o cheiro da vida descarnada no lodo e terra molhados.

SIMPLESMENTE ACONTECE ver nas coisas a sua história:

Numa casa na areia homens dinâmicos a construi-la

O vento vir de muito longe

A vegetação brotar da terra e crescer

Num prato decorado mãos cuidadosas

Numa pessoa história

Eu sou a coisa mais importante do mundo

Um grão de areia é a coisa mais importante do mundo

Uma goticula da saliva dum cão é a coisa mais importante do mundo

O mundo é a coisa mais importante do mundo

SIMPLESMENTE ACONTECE…

A vida é um poema maravilhoso

Temos é que aprender a linguagem dos anjos

Se não o Poema não acontece

E senão acontece é mais simples dormir.

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O milénio a acabar e eu a começar. Com duas décadas de existência aventuro-me a viver nesta aldeia global dois milénios após Cristo.

Sou um solitário que gostaria de ser solidário com sua fala efémera…

Vou num estranho comboio regional com destino incógnito e julgo estar prestes a deixar a pequena região de 1999. Comprei bilhete prá carruagem dos poetas fumadores de viagens, mas a dúvida de que me enganei no lugar persiste.

Vamos poucos na carruagem, talvez este fumo que espessa o ar e aguça os sentidos afaste muita gente ou que outros prefiram o TGV

Ainda assim assistir ao videoclip “you are not alone” de Michael Jackson na MTV parece-me coincidentemente adequado.

Através da janela vejo o mundo por onde passo, vejo perfis… vejo perfis vazios que proliferam fertilizados in vitro, vejo perfis de vinho, vejo perfis de deboche, vejo perfis ambiguos, vejo viscosos perfis de cosméticos, vejo perfis de poder, vejo perfis de cinza, vejo monótonos perfis de perfis…Será das minhas lentes de contacto descartáveis?

Ah! Não! Já sei! São os clones! Estou enjoado com isto tudo! A fastofoodidolatrada!

Não! Tudo menos a escuridão do tunel!

Também não quero correr a cortina de minha janela ou ver a paisagem filtrada pelas janelas de outras carruagens.

Fecho os olhos mas os perfis permanecem eideticamente, como se meus olhos fossem lentes duma máquina fotográfica com focagem automática instalada no cérebro por algum inescrupuloso engenheiro genético.

Mas que raio!!! Estou farto de perfis! ABAIXO OS PERFIS! Quero ver seres que não se escondam em esconços! Onde estão os seres caracteristicos…imperfeitos mas tridimensionais, palpaveis, francos!

Quero ver pessoas que fervilham em todas a faces como que rodando iluminados no prato do microondas!

Abaixo os perfis, frageis alvos de plástico cuidadosamente dispostos por criancinhas que se divertem fulminando-os com raios laser inconsequentes! Fora os perfis! PERFIS PUM! PERFIS PAM! PERFIS PIM! Reciclem os perfis!



Conhecidos meus acenam-me de outras carruagens mas vou continuar cativo na carruagem dos poetas fumadores de viagens, pois daqui desviando-me o olhar da paisagem que me enoja são aves voando que me acenam!



Tenho esperança nas próximas estações?

Já deixei 1999 e não sei se quero passar por 2000. Por isso fujo…

Livre no fumo inebriante de minha viagem. Fujo deslizando em virtuais linhas ferreas, supercondutoras de nadas sonhados.

E vejo pêndulos de relógios acelarados nas caudas de cavalos bebendo em brilhante e verde area lagunar.

Vejo gigantesca pedra preciosa incrustada no globo terrestre onde argutas arvores com uteis bicos lhe testam valor.

E vejo o computador portátil sonhar palavras.e vejo uma grande e aterradora nuvem movente sumir-se desvelando a lua que sempre me alumiou, como em menino quando sentado na soleira de minha casa, tentava potenciar minha vista de forma a nela conseguir ver algum astronauta selenita.

Lua essa, que agora cheia me inquieta. Mas conforto-me vendo também outros sob a mesma lua. Inquietos gatos amantes da noite deambulando na mesma imensidão.

E vejo quem se sente a meu lado por que se sente poeta.

Vejo obras de arte esculpidas pelo mar da vida. E vejo quem, porque se sente musa se sente a meu lado.

Vejo-me naufragado em ilha luxuriante depois de arrastado em correntes e remoinhos.

E vejo o mundo feito bailarino dançar arrebatado a virtuosa música que oiço, composta por neurónios optimistas. E vejo harmonia em toda a natureza.

E vejo fantásticos horizontes infinitos…E vejo a cauda do desconhecido…Limitados os que te desconhecem desconhecido.

E vejo-me a sorrir, a sorrir enquanto quente durmo na minha viagem, e quando acordo é a deliciar-me em riso que me vejo.

sábado, 6 de fevereiro de 2010

O meu avô Elviro

ELVIRO AUGUSTO ROCHA GOMES
(1918-2009)

O meu avô sempre foi um homem muito rico. O seu património era sobretudo o seu conhecimento, a sua cultura, a sua voz, a sua criatividade, o seu carisma, o seu interesse pelo próximo, as suas preocupações humanísticas, e por aí fora. Falar portanto sobre o meu avô é uma tarefa longa. Foi uma pessoa que marcou pela sua actividade como professor, escritor, tradutor e outros desempenhos na esfera cultural. Sei que causava uma impressão muito forte nas pessoas que se cruzavam com ele. Na Alemanha deram-lhe o epítome “Das unique”, ou seja “o único”. Além disto era o meu avô e é nessa qualidade que aqui o lembro.



Lembro-me de quando o meu avô ia visitar-me a Lisboa, na minha infância, da sua presença carismática. Uma vez, eu teria para aí uns seis anos, fomos a uma loja de roupa, deparando-nos com uma senhora visivelmente triste atrás do balcão, e enquanto eu via as roupas o meu avô foi conversando com a senhora, despoletando-lhe o riso. Provavelmente ofereceu-lhe também um dos livros que tinha sempre na sua mala a tiracolo. Depois de nos decidirmos quanto às roupas, um kispo e umas calças, a senhora insistiu em não cobrar nada, apesar do meu avô, cordialmente insistir em pagar. Ainda me lembro de a senhora, sensibilizada, afirmar que só uma pessoa como o meu avô para tê-la feito rir naquele momento!



Dávamos bons e grandes passeios a pé, dizíamos que íamos ver as grutas, e lá íamos nós confundindo pequenas clareiras em terrenos abandonados, ou hiatos em arbustos, com grutas. Jogávamos o jogo de descobrir o que um de nós estaria a ver, uma frase num cartaz, um sinal de trânsito, uma porta peculiar ou qualquer outra coisa que nós julgássemos difícil de o outro descobrir inserida no cenário dos nossos passeios. Conversávamos muito, o meu avô contava-me curiosidades históricas que eu apesar da idade ouvia atentamente graças á grande capacidade comunicativa do meu avô.



Tinha sempre um bloco de notas onde escrevia de imediato quando um poema ou uma ideia lhe ocorria, o que sucedia com muita frequência. Também gostava de desenhar com o que tinha á mão, esferográfica ou lápis. Desenhava caras, e as paisagens dos sítios por onde passava, a vista do apartamento onde eu vivia, a vista num jardim, ou numa esplanada de um café, etc.



Conversava abertamente com estranhos com quem se cruzava, e tinha um magnetismo que tornava gestos normalmente prosaicos e banais em momentos únicos repletos de humor como por exemplo comprar um bilhete de comboio, pedir uma informação, ser atendido num café ou num restaurante, etc.



Era sempre com enorme expectativa que eu aguardava as suas visitas e o privilégio de ouvir a sua voz grave e eloquente. Sabia agradar o neto, e íamos sempre comprar uma prenda ou mais. Quando estava em Faro e eu em Lisboa o meu avô enviava-me assiduamente postais em que descrevia episódios humoristicamente através de desenhos onde ele aparecia com o escasso cabelo desgrenhado e óculos contracenando comigo de calções e pernas tipo caniços.



Todas as suas atitudes comigo eram pedagógicas, sempre me disse: “não deixes para amanhã aquilo que podes fazer hoje”. Instigava-me a desenhar ou a fazer composições, obras essas que me pagava sempre em dinheiro, guardando-as religiosamente numa gaveta. Um dia surpreendeu-me com uma carta que mencionava um prémio de desenho que eu tinha ganho, pois, sem me ter dito nada, o meu avô tinha enviado alguns desenhos meus para um concurso.



Depois de os meus pais se terem divorciado vivi com o meu avô e a minha mãe na casa dele. Nessa altura eu queria uma mesa de snooker ao que o meu avô sugeriu que a construísse. Fiz duas tentativas com materiais diversos, madeira, cortiça, uma mesa velha e após tê-la terminado o meu avô comprou-me um taco mas colocou-se o problema de arranjarmos umas bolas adequadas, e, depois de tentarmos jogar frustemente com bolas de ping-pong fomos á procura duma loja que vendesse bolas de golfe. Foi uma busca diligente, viajámos de comboio, andámos kilometros a pé, percorremos estradas difíceis até finalmente chegarmos à loja de que nos tinham informado nas nossas indagações. O meu avô determinado não tinha deixado esmorecer o meu pequeno sonho.



Em casa, foi no Jardim cheio de história, construído com carinho pelo meu avô, denominado Jardim da Concórdia que passámos algumas das nossas melhores convivências. Anos mais tarde, depois de ter voltado para Lisboa e novamente voltado a morar com o meu Avô, por volta dos meus 17 anos, foi no Jardim da Concórdia que esculpi o busto do meu avô em barro.



Nessa altura apesar da idade do meu avô rondar os 80 anos ele mantinha a mesma vitalidade com que sempre o conheci. Lembro-me de o ver empoleirar-se num muro estreito do Jardim para apanhar umas nêsperas. Continuávamos a fazer grandes caminhadas, por uma ou duas vezes fomos a pé de Faro até à praia de Faro, que presumo serem sensivelmente 8 Km, e voltámos a pé.



Mais tarde ainda, quando eu já tinha a minha mulher o meu avô passou a ser a nossa companhia predilecta, contagiando-nos com a sua presença e o seu bom humor, nas jantaradas ou almoçaradas para as quais ele frequentemente nos convidava.



Octogenário, era ainda um homem extremamente activo. A demonstrá-lo refiro por exemplo que se surgisse nas nossas conversas alguma dúvida sobre o significado exacto de uma palavra, ou qual a palavra mais apropriada para determinado contexto, o meu avô sem meias medidas ia imediatamente consultar a sua biblioteca. Era comum vê-lo de madrugada agarrado a um livro, a fazer um tradução ou a escrever poesia. Poemas que mos lia, amiúde, com grandes qualidades de actor. Quando hoje leio os seus poemas parece que quase ouço a sua voz, grave, eloquente e vivaz.



Parecia imortal mas veio a doença, no entanto, apesar do seu sofrimento, nunca quis de maneira nenhuma preocupar os outros e mostrou uma dignidade enormíssima. Nas primeiras vezes em que foi parar ao hospital em risco de vida, depois de ter ultrapassado os momentos mais críticos, continuava a fazer rir quem o rodeava.



Ainda houve duas vezes em que o meu avô me surpreendeu no meu local de trabalho dessa altura, tendo se deslocado a pé, uma distância considerável para irmos comer uns caracóis.



A minha maior riqueza é de longe e será sempre a interior tendo herdado do meu avô grande parte desse legado.







(João Pedro. Madrugada, Fevereiro de 2010)



quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

WORKSHOPS DE TEATRO E DESENVOLVIMENTO PESSOAL.MAIS INFORMAÇÕES NO SITE: https://sites.google.com/site/naylorsantos/







Textos retirados do projecto IQ Teatro.

IQ TEATRO
Missão

 A Acção do IQ Teatro deverá partir duma dualidade de Valores: humildade e ambição, humildade porque a sua actividade deverá contrariar pedantismos, ou veleidades, e hermetismos que afastem a sua produção duma comunicação eficaz com o público. Aliás, será prioritário a relação estreita com o povo seguindo o leitmotiv “Teatro para todos”. Ambição, porque todo o trabalho deverá ser exigente em termos de execução técnica, artística, e de todos os vectores incluidos no processo artistico quando nos referimos aos profissionais envolvidos. O Teatro social é prioritário para o IQ Teatro, devendo a maioria da sua actividade ser dirigida para as camadas sociais que mais carecem de diálogo e que pelas mais diversas razões são discriminadas.
Pretende-se que a sua actividade seja diversificada, vivaz e dinâmica. O Teatro dá vida às palavras, enriquece-as com o contributo da respiração do actor, a sua expressão, voz, idiossincrasia, com as opções estéticas, cultura, referências, etc., do encenador, contribuem também sem menos importância outros criativos, cenógrafo, luminotecnico, etc., culminando com a leitura do público. Através do IQ Teatro o público não é apenas leitor mas criador.
 Apesar de por vezes algumas péças exigirem do público um esforço salutar para a fruição, o IQ Teatro terá como objectivo primordial a adaptação ao contexto cultural em que está inserida, não no sentido do culto do mais fácil que apenas entretém sem qualquer valor artistico mas no sentido de aproveitar a cultura local e comunicar na mesma linguagem contribuindo para o enriquecimento desta mesma cultura, para além do levantamento de problemas.
A missão do IQ Teatro serão pois os valores do Teatro. Leitmotivs como comunicação, formação, poesia, liberdade, democracia.
A produção será diversificada dirigindo-se a várias esferas da sociedade. Dentro do IQ Teatro existem vários clubes cada um dirigido a um nicho específico. Idosos, crianças, jovens de risco, imigrantes, vitimas de exclusão e violência, são alguns dos grupos alvo do IQ Teatro com os quais fará teatro interactivo com influências diversas como por exemplo o Teatro do Oprimido de
Augusto Boal.


O TEATRO E A VIOLÊNCIA.

Caligula de Albert Camus, Zoostory de Edward Albey, Romeu e Julieta de Shakespeare,Felizmente Há Luar de Luis Stau Monteiro, a lista poderia continuar até aos milhares. Lista de grandes textos de Teatro, todos eles com um elemento em comum, o Conflito, ou Confronto. O Teatro não vive sem o conflito. Na vida real, quantos de nós não prescindiriam dos conflitos com o conjugue, a mãe, os vizinhos, colegas de trabalho, etc., no entanto em Teatro, como os espectadores se regozijam quando assistem ao climax do conflito com um Otelo a matar uma Desdémona, ou um Iago a conseguir mortes apenas com o exercicio da mesquinhice e intrigas. Mas a violência expressa no Teatro não beneficia apenas o espectador. Há um efeito catártico no espectador, assim como no Actor que descobre uma paleta de emoções novas ao encarnar outras personagens antagónicas à sua personalidade, ou quando utiliza emoções suas análogas à da personagem, despertadas por momentos da sua vida emocionalmente fortes. Este trabalho, ao ser realizado com um fito profissional acaba por ser muitas vezes também terapeutico e conduz invariavelmente a um progresso na auto-consciência. Muitas vezes libertam-se traumas consequentes de repressões emocionais perante acontecimentos violentos na vida do Actor. Assim, existem também processos terapeuticos em que se combinam fundamentos da expressão dramática com a Psicologia. Creio que a violência é necessária na sua expressão artistica. Sem querer entrar no domínio da Filosofia reflectindo sobre a a violência no sentido mais lato, acredito que o sofrimento interior que aprisiona e perdura muitas vezes anos após o momento de violência, pode ser atenuado e eliminado através de técnicas teatrais e de Expressão Dramática que conduzam à catarse. Enquanto actor profissional eu próprio, constato ter-me curado de algumas angústias. Vitimas de violência, sujeitas a situações de sofrimento em contextos tão díspares como: discriminação, toxicodependência, violação, assalto, bullying, guerra, violência doméstica, tortura psicológica, crises financeiras,, etc, etc, podem através do Teatro e da expressão dramática, libertár-se dos nós na garganta, reflectir e assumir uma posição de distanciamento através da partilha e debate com colegas, e até elevárem-se pela Arte. Evidentemente que a prática da Expressão Dramática e Teatro que vise fazer bem não se reduz à catarse e ao mexer com emoções negativas e recalcadas. É também através de técnicas de respiração, de técnicas de relaxamento, do convivío e principalmente de todo o carácter positivo próprio do Teatro.

TEATRO PARA OS JOVENS

Um clube de teatro para jovens terá como objectivo o desenvolvimento pessoal de todos quantos estejam envolvidos. A prática teatral e mais especificamente a expressão dramática contribui decisivamente para o crescimento do indivíduo sendo muito frequente para quem entra em contacto com esta disciplina uma sensação de desabrochar e de grande crescimento. Na escola mais tradicional os alunos passam a maior parte do dia confinados ás suas secretárias absorvendo uma grande quantidade de informação teórica, com o ensino de expressão dramática complementa-se a formação teórica com um conjunto de saberes mais orientados para exploração do eu, para a comunicação interpessoal, para a imaginação. Trata-se duma aprendizagem muito menos dogmática do que a da escola tradicional. Promove-se a liberdade, o crescimento pessoal e a descoberta do inefável, indizível da vida, a poesia. Um grupo de Teatro para crianças devidamente orientado, será sempre uma experiência inesquecível. Que é o que pretendo levar a cabo com este projecto. É uma experiência de aprendizagem recíproca, pois aprende-se sempre muito com as crianças, e no que concerne à representação, diz-se amiúde, que, os melhores actores, são as crianças. Num projecto de expressão dramática para crianças, estas apreenderão ferramentas imprescindíveis para qualquer actor, e de grande valor para qualquer pessoa, como por exemplo, técnicas de respiração e voz, dicção, dominarão melhor o seu corpo e a sua deslocação no espaço, desenvolverão a capacidade de concentração, a imaginação, a capacidade de interacção e respeito com o outro, etc. A figura do mentor, orientador, servirá para conduzir as crianças num processo de descoberta através da expressão dramática, um pouco á luz da maiêutica de Sócrates. O orientador, pedagogicamente, dará pistas ás crianças para que estas por si próprias desenvolvam as suas competências dramáticas. Pretendo criar uma ou mais peças de teatro para que as crianças experimentem a magia de estar em a palco.Essas peças de teatro poderão ser desenvolvidas a partir de criações colectivas, em que após se escolher um tema que poderá ter inúmeras origens, por ex., uma notícia no jornal, um acontecimento local, etc. fazem-se diversos exercícios de improvisação, pesquisa, escrita que culminarão no trabalho final. Também é profícuo utilizar Peças de Teatro de repertório, pois incentiva-se à leitura, leva-se as crianças a familiarizarem-se com textos dramáticos que terão que estudar no secundário, desenvolve-se a dicção, Sendo o Teatro a arte colectiva por excelência as crianças entrarão também em contacto com outras expressões nomeadamente a expressão plástica, pois, no que respeita aos adereços, máscaras, cenografia, será sempre tudo criado e construído pelo orientador e pelas crianças. Sempre que possível articular-se-á com companhias de teatro, associações culturais, bibliotecas e outros organismos um intercâmbio no sentido de levar as crianças a eventos culturais, peças de teatro e quiçá a apresentarem o seu próprio trabalho.O Teatro está presente na nossa vida desde a mais tenra idade, e são as crianças os melhores actores. Infelizmente nem sempre esse potencial é devidamente aproveitado, e, as mais das vezes é desprezado. O clube de teatro para crianças irá contrariar essa tendência. Sem ser determinista nem defensor acérrimo do “bom selvagem” de Rousseau, acredito que o ambiente e a cultura têm forte influência na construção da personalidade. Assim, só mesmo um contexto de continuidade poderá influenciar de alguma maneira as personagens desse contexto. È por isso que um Clube de Teatro onde as crianças privem quotidianamente com os signos teatrais e artísticos deixará certamente marcas indeléveis na sua personalidade…

SÉNIORES

O Teatro, a Vida, o Homem, a Infância, a Idade avançada. “A vida é um palco”, célebre citação de Shakespeare, amíude proferida, embora nunca esgotada. O teatro está presente desde os primórdios da civilização. O teatro está presente desde que andamos de gatas até quando andamos de bengala. O Teatro tem também uma idade avançada tal como os anciões a quem se dirige este clube. Com este projecto pretende-se que o Teatro projecte as suas luzes sobre a caminhada que os nossos anciões têm pela frente, contribuindo humildemente e generosamente para que essa caminhada seja feita ainda a plenos pulmões, acrescida de sobeja sapiência. Nas “tábuas” o ancião, actor, alquimista descobre o Santo Graal, conquista a eterna juventude, através do sonho, e através do carácter efémero do Teatro tal como a vida. O Teatro é comunicação, e através deste clube acredita-se ajudar a preencher e ultrapassar os efeitos da exclusão e isolamento que a nossa sociedade imperfeita impõe aos idosos e aquela que eles próprios se impõem. A comunicação própria do Teatro não é apenas uma troca de “memes” ou informações. Através do teatro, como espectador, como actor, ou outro criativo, o Homem comunica plenamente com todos os sentidos e inteligência, comunica com os outros e consigo próprio descobrindo muitas vezes novas identidades dentro de si, ou seja, renova-se, ou seja, rejuvenesce.

NOTA: As verbas decorrentes da bilheteira dos espectáculos concretizados deverão reverter para causas sociais.