terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Antigas impressões que dormiam num baú...



Viajo num barco à vela


O mar uivou de amor

Agora ruge de raiva

A Lua que outrora embora distante seduzia-o

Com incontaveis beijos que lhe acendiam o corpo

Agora é disco afiado que lhe acende o corpo

Dos cortes que lhe faz

O brilho reverteu-se em sombra

E o mar em sangue

Ainda se fez em insistentes ondas de razões

Fez-se exercito de garras para rasgar o tempo

Aplicou-se em milhares de linguas

Que se atiraram ao céu vazio

Nostálgicas pela pérola gigante

Mas só pedra fria. Só pedra fria cortante

Viajo num barco à vela

Agora o mar está cansado, chegou ao fim

É só espuma

Já não há lua

Só uma pedra fria, escura e dura

Cheguei ao fim

Adeus Mar

Adeus Lua

Adeus pérola gigante.
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Ao invés de perdidos no vazio da dúvida

Protegem-se em casas prisões de cimento sem janelas que decoram com quadros nas paredes cinzentas, áridas e opacas do seu dia a dia.

Quadros com Jesus, Mao, Estaline, Froid, quadros com religião, quadros com psicologia, quadros com o Big Brother. E confundem-nos com janelas.

Afinal a segurança é das nossas necessidades mais básicas!

E quem não tem a protecção das paredes cinzentas são os loucos, os lunáticos, estranhos, atrofiados, idiotas, complexos, abstractos, aéreos, desequilibrados, os vagabundos que vivem desabrigados da tempestade.

E como a tempestade assusta. Forças que lutam absolutamente em todas as direcções.

Como eu queria mergulhar nu na tempestade. Mas basta que ponha uma molécula de mim fora de casa para que sinta um grande pincel a desintegrar-me num pigmento original.

Ah! Mas passeio! E se ainda não é nu é vestido ao sabor do vento, protegido por uma pelicula de credubilidade transparente.

Hoje visto-me de credubilidade transparente azul, amanhã violeta…canso-me das possibilidades cromáticas e atrai-me o negro para lá da pelicula. A risco rasgo um pouco da credubilidade junto ao pé e ontem, hoje, amanhã, sem tempo dissipo-me.

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O valor da página em branco pode ser tão alto quanto o da grande tela dos anjos vista do cume duma montanha.

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As cidades são como as estrelas,

Quando as vemos de noite ao longe brilham

Lá dentro queimam-nos

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A metáfora é um atalho transverso a uma estrada comum

Mas que ninguém viu antes porque nasce com a nossa entrada

O fim da estrada pode coincidir com o que o atalho dá,

Porém vindos do atalho olhamos para o lugar comum com

Olhos incomuns…cheios da reminiscência intensa daquele

Grão de brilho que nasceu e morreu.

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Passeio no mar

Passeio no céu

Nuvens almofadas de sonho soltam~se a meus pés

Mergulho no azul, no branco, no brilho onirico

Mas o que é isto? Que ser vivo é este em que passeio?

A língua branca que quase me alcança

As papilas que se dilatam no beijo que saboreio

A baba, a saliva que ferve

O subito toque fresco a que me submeto e

Os poros que se acendem

A sua voz penetra-me pelo canal auricular e faz ondas

Ondas me invadem, me envolvem e lavam a alma.

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Queria eu num tempo ser um ponto

Noutro uma estrela

Um grão de areia

Uma gota de água

Uma palavra

E talvez no tempo de vida de um homem pudesse ser tudo

Num não tempo ser todo o tempo

Num não espaço ser todo o espaço

Queria eu não ser

Num tempo um ponto, ser tão leve

Ser o ponto originário sem a forma resultante do ponto

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O actor no espectáculo não é o actor

É o grito dum pássaro que atravessa a vida que alguém ouve

É poesia que alguém sente

Um grão de brilho que alguém vê

O choro que alguém cheira

O cheiro que alguém chora

É um pouco de sangue do grande organismo que é o teatro

E o espectáculo é o bater do coração que alguém ausculta

É um bébé que após doloroso trabalho de parto nos bastidores

Escuros irrompe das pernas e nasce no palco à luz das estrelas

Que são olhos de Deuses vendo-o celebrar a vida.

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O universo está aí!

E nele tudo, tudo é importantíssimo

Assim sendo neste universo sem hierarquias

A minha total atenção, o meu amor, a minha deferência

SIMPLESMENTE ACONTECE por umas bolinhas que hesitam soltar-se duma pedrinha sob umas ondinhas que avançam ao sol

SIMPLESMENTE ACONTECE aos quatro anos tornar marco de mim para o futuro uma noticia na televisão a não esquecer que as manteigas estavam estragadas.

SIMPLESMENTE ACONTECE este bocadinho, esta parcelinha, este tempinho de mim ser importantíssimo e ser mais simples não pensar nisso.

SIMPLESMENTE ACONTECE a ria avançar e desenhar-me estradas nos olhos.

SIMPLESMENTE ACONTECE a voz do mar modelar-me a alma.

SIMPLESMENTE ACONTECE ver no céu uma grande tela onde anjos escrevem.

SIMPLESMENTE ACONTECE ver aves voando acenarem-me.

SIMPLESMENTE ACONTECE com a areia macia mármore polido no meu sentimento.

SIMPLESMENTE ACONTECE sentir tesão com o cheiro da vida descarnada no lodo e terra molhados.

SIMPLESMENTE ACONTECE ver nas coisas a sua história:

Numa casa na areia homens dinâmicos a construi-la

O vento vir de muito longe

A vegetação brotar da terra e crescer

Num prato decorado mãos cuidadosas

Numa pessoa história

Eu sou a coisa mais importante do mundo

Um grão de areia é a coisa mais importante do mundo

Uma goticula da saliva dum cão é a coisa mais importante do mundo

O mundo é a coisa mais importante do mundo

SIMPLESMENTE ACONTECE…

A vida é um poema maravilhoso

Temos é que aprender a linguagem dos anjos

Se não o Poema não acontece

E senão acontece é mais simples dormir.

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O milénio a acabar e eu a começar. Com duas décadas de existência aventuro-me a viver nesta aldeia global dois milénios após Cristo.

Sou um solitário que gostaria de ser solidário com sua fala efémera…

Vou num estranho comboio regional com destino incógnito e julgo estar prestes a deixar a pequena região de 1999. Comprei bilhete prá carruagem dos poetas fumadores de viagens, mas a dúvida de que me enganei no lugar persiste.

Vamos poucos na carruagem, talvez este fumo que espessa o ar e aguça os sentidos afaste muita gente ou que outros prefiram o TGV

Ainda assim assistir ao videoclip “you are not alone” de Michael Jackson na MTV parece-me coincidentemente adequado.

Através da janela vejo o mundo por onde passo, vejo perfis… vejo perfis vazios que proliferam fertilizados in vitro, vejo perfis de vinho, vejo perfis de deboche, vejo perfis ambiguos, vejo viscosos perfis de cosméticos, vejo perfis de poder, vejo perfis de cinza, vejo monótonos perfis de perfis…Será das minhas lentes de contacto descartáveis?

Ah! Não! Já sei! São os clones! Estou enjoado com isto tudo! A fastofoodidolatrada!

Não! Tudo menos a escuridão do tunel!

Também não quero correr a cortina de minha janela ou ver a paisagem filtrada pelas janelas de outras carruagens.

Fecho os olhos mas os perfis permanecem eideticamente, como se meus olhos fossem lentes duma máquina fotográfica com focagem automática instalada no cérebro por algum inescrupuloso engenheiro genético.

Mas que raio!!! Estou farto de perfis! ABAIXO OS PERFIS! Quero ver seres que não se escondam em esconços! Onde estão os seres caracteristicos…imperfeitos mas tridimensionais, palpaveis, francos!

Quero ver pessoas que fervilham em todas a faces como que rodando iluminados no prato do microondas!

Abaixo os perfis, frageis alvos de plástico cuidadosamente dispostos por criancinhas que se divertem fulminando-os com raios laser inconsequentes! Fora os perfis! PERFIS PUM! PERFIS PAM! PERFIS PIM! Reciclem os perfis!



Conhecidos meus acenam-me de outras carruagens mas vou continuar cativo na carruagem dos poetas fumadores de viagens, pois daqui desviando-me o olhar da paisagem que me enoja são aves voando que me acenam!



Tenho esperança nas próximas estações?

Já deixei 1999 e não sei se quero passar por 2000. Por isso fujo…

Livre no fumo inebriante de minha viagem. Fujo deslizando em virtuais linhas ferreas, supercondutoras de nadas sonhados.

E vejo pêndulos de relógios acelarados nas caudas de cavalos bebendo em brilhante e verde area lagunar.

Vejo gigantesca pedra preciosa incrustada no globo terrestre onde argutas arvores com uteis bicos lhe testam valor.

E vejo o computador portátil sonhar palavras.e vejo uma grande e aterradora nuvem movente sumir-se desvelando a lua que sempre me alumiou, como em menino quando sentado na soleira de minha casa, tentava potenciar minha vista de forma a nela conseguir ver algum astronauta selenita.

Lua essa, que agora cheia me inquieta. Mas conforto-me vendo também outros sob a mesma lua. Inquietos gatos amantes da noite deambulando na mesma imensidão.

E vejo quem se sente a meu lado por que se sente poeta.

Vejo obras de arte esculpidas pelo mar da vida. E vejo quem, porque se sente musa se sente a meu lado.

Vejo-me naufragado em ilha luxuriante depois de arrastado em correntes e remoinhos.

E vejo o mundo feito bailarino dançar arrebatado a virtuosa música que oiço, composta por neurónios optimistas. E vejo harmonia em toda a natureza.

E vejo fantásticos horizontes infinitos…E vejo a cauda do desconhecido…Limitados os que te desconhecem desconhecido.

E vejo-me a sorrir, a sorrir enquanto quente durmo na minha viagem, e quando acordo é a deliciar-me em riso que me vejo.

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